Yei Theodora Ozaki e o encantamento pela mitologia japonesa

Entre as pontes mais delicadas que ligam o Japão e o Ocidente no início do século XX, poucas foram tão luminosas quanto as erguidas por Yei Theodora Ozaki. Nascida em Londres em 1871, filha do diplomata japonês Saburô Ozaki e da professora inglesa Bathia Morrison, Yei cresceu entre dois mundos – o da disciplina oriental e o da sensibilidade literária britânica. Dessa travessia cultural nasceu uma das vozes mais originais do diálogo entre Oriente e Ocidente, autora de uma obra que transformou antigas lendas japonesas em narrativas acessíveis, poéticas e universais.

Seu livro Contos Japoneses, publicado em Londres em 1903, foi um dos primeiros esforços bem-sucedidos de apresentar o imaginário nipônico ao público europeu de maneira sensível e fiel ao espírito das histórias originais. Nele, Yei reuniu mitos, fábulas, parábolas morais e histórias heroicas transmitidas por séculos na tradição oral japonesa. Ao fazê-lo, atuou como intérprete e guardiã de uma herança que, até então, permanecia restrita às fronteiras culturais do arquipélago. Mais do que traduzir, Yei recriou – suas versões combinam o ritmo e a clareza do inglês eduardiano com o refinamento simbólico das narrativas japonesas, resultando em textos de rara harmonia e lirismo.

A obra de Ozaki pode ser lida no volume Japoneses: deuses e mitos, que integra o box “Mitologia: as melhores histórias”, da Editora Pandorga. Histórias como “O espelho de Matsuyama”, “O cortador de bambu e a criança da lua” e “A história do homem que não queria morrer” condensam temas centrais da sensibilidade japonesa: a efemeridade da vida, o valor da pureza, a devoção filial e o ciclo natural da existência. Com graça e clareza, Yei transpõe o mistério dos mitos para o formato de conto, sem lhes retirar a profundidade simbólica. Seu olhar de mulher e intelectual do período Meiji, participante de movimentos educacionais femininos e atenta à transformação do papel da mulher no Japão, confere às histórias um tom de emancipação e introspecção ausente em outras versões do século XX.

Em Japoneses: deuses e mitos há também as imprescindíveis ilustrações de Kakuzō Fujiyama, que reforçam o caráter visual e alegórico das narrativas. As notas e comentários auxiliam a compreensão dos contextos históricos e culturais; no trabalho de revisão, buscamos respeitar o equilíbrio entre a oralidade do conto e a elegância literária da autora, preservando as nuances da belíssima tradução de Carla Benatti e o encantamento da prosa de Ozaki.

Com este volume, o leitor brasileiro tem acesso a uma das mais belas portas de entrada à mitologia japonesa, na qual deuses, animais e humanos se movem em harmonia poética, revelando a profundidade de uma civilização inspiradora.

Japoneses: deuses e mitos, parte integrante do box “Mitologia: as melhores histórias”.

Editora Pandorga, 2024

Tradução: Carla Benatti

Revisão: Giovanna Valenzi e Ricardo Marques

275 páginas

 

 

Ricardo Marques

É editor, tradutor e revisor textual. Trabalhou diretamente em mais de 150 obras, com destaque para dezenas de clássicos da literatura estrangeira e nacional.

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